Autora de “Um Olhar Para Além do Cotidiano”, Irene Genecco traça perspectivas sobre como a velocidade do mundo atual tornou a vida das pessoas mais efêmera
Para a escritora Irene Genecco, a rapidez das informações e as exigências do capitalismo impedem os momentos de reflexão, amadurecimento e criação de identidades próprias. Mas ela analisa: “por outro lado, a globalização e a tecnologia proporcionam um maior alcance de troca de informações que escapa ao controle total de um sistema dominante”.
Essa nova realidade, entretanto, também muda as percepções do tempo da população e afeta, principalmente, as mulheres. “O preconceito de idade, quando aceito pela mulher, resulta no aprisionamento a uma rotina exaustiva de dietas, academia e procedimentos estéticos dispendiosos e intermináveis. Há também um cerceamento de condutas, modo de vestir e até escolhas nos relacionamentos”, analisa.
A autora aprofunda esses assuntos no livro Um Olhar Para Além do Cotidiano: Contos Urbanos & Outros Que Tais e também dá mais detalhes sobre a obra a entrevista abaixo. Leia:
1 – “Um Olhar Para Além do Cotidiano” propõe um aprofundamento em situações que podem passar despercebidas na pressa cotidiana. Por que você decidiu voltar o olhar para esses momentos aparentemente triviais?
Irene Genecco: Porque de fato, como você bem disse, são aparentemente triviais. O ineditismo brota de você, da sua observação mais aprofundada, do teu próprio olhar e pensamento. Numa cena corriqueira de alguém correndo para pegar um ônibus, observe o olhar, o caminhar, o correr, a expressão facial, imagine o porquê da pressa, tudo num lapso de segundo. É um exercício intuitivo. Algo dentro de você reage e responde. Estas respostas alimentam reflexões e inspirações que nos tornam mais simples e menos frágeis aos medos. Acontece uma conexão espontânea e imediata entre o eu e o outro. O dia está pleno de espantos, se aguçarmos os sentidos para o milagre da conexão interior com o exterior.
2 – Em um dos textos, você fala sobre as diferenças na percepção do tempo. Para você, como a sociedade hoje compreende o tempo?
I.G.: O tempo é um aglomerado de fatos e atos que se sucedem, postos em determinada ordem e hierarquia. A percepção do tempo não é igual para todos, pois, para uns, a sucessão de fatos na vida é brutal e avassaladora e, para outros, paradisíaca. Agravando este cenário, na modernidade líquida, os fatos surgem e somem na velocidade da luz. Não existe tempo para refletir, fazer escolhas, amadurecer ideias e se definir como uma identidade. A sociedade vai se esvaziando de valores fundamentais e degenerando. Neste viés, o tempo hoje é entendido pela sociedade como mercadoria, cuja moeda de compra e venda é a própria vida. Por outro lado, a globalização e a tecnologia proporcionam um maior alcance de troca de informações que escapa ao controle total de um sistema dominante. Através destas frestas de luz, o tempo é entendido como oportunidade de crescimento, libertação e uma nova era nas relações humanas.
3 – Você também trata sobre o envelhecimento e o etarismo, que afeta mais as mulheres. Quais são os efeitos desse preconceito com a idade, principalmente, no público feminino?
I.G.: O preconceito de idade, quando aceito pela mulher, resulta no aprisionamento a uma rotina exaustiva de dietas, academia e procedimentos estéticos dispendiosos e intermináveis. Há também um cerceamento de condutas, modo de vestir e até escolhas nos relacionamentos. Isto reduz a mulher a objeto de manipulação e robotiza suas atitudes, despindo-a de suas capacidades intelectuais. Porém de nada vale deter-se nos efeitos do etarismo. A mulher de mais idade está começando a tomar consciência de suas habilidades e capacidades independentes de sua idade cronológica, mas muito dependentes de suas próprias atitudes e iniciativas pessoais.
4 – “Um Olhar Para Além do Cotidiano” é um convite para se distanciar de uma realidade exaustiva e competitiva. Como a literatura pode auxiliar nesse processo de distanciamento?
I.G.: A literatura é uma porta aberta a novas ideias, costumes, culturas e incentivo a descortinar novos horizontes. É um hábito a ser cultivado. A palavra realiza com plenitude o milagre da conexão entre diversas dimensões, principalmente na escrita, pois oferece tempo para divagar nas entrelinhas. O hábito de ler fermenta nossos pensamentos em novas ideias. Escritor e leitor se complementam, um não existe sem o outro. Algo comum entre ambos é o olhar além da banalidade, no desejo de transcender o cotidiano.
5 – Que outros temas o livro aborda e você considera que são importantes de ressaltar para o público leitor?
I.G.: – A adoção e o conflito emocional que pode abalar tanto os novos pais quanto quem é adotado (O Pesadelo de Lolita);
– A questão do conflito entre culturas e religiões, na busca existencial do indivíduo (Entre Dois Mundos);
– A questão dos limites da Educação diante das dificuldades de aprendizado, muitas vezes causadas por questões psicológicas e familiares, a que o professor e a escola normalmente não têm condições de atender (O Burro Beleza);
– A utilidade da ficção como modo de alívio das tensões da rotina (O encontro; Concepção) e a utilidade da poesia e da reminiscência como distensionamento (Maria Fumaça; O Mundo no Fundo do Meu Pátio);
– O despertar da consciência para a desigualdade social e a opressão do sistema como desconexão do sujeito (O Muro).
Sobre a autora: Graduada em Pedagogia e pós-graduada em Educação e Formação na Universidade de Aveiro, em Portugal, Irene Genecco é aposentada e dedica-se integralmente à literatura. Nascida no Rio Grande do Sul, ela tem três livros publicados: “Inquietude” (2008), “No mundo da Ficção, só que não” (2022) e “Um Olhar Para Além do Cotidiano: Contos Urbanos & Outros Que Tais” (2023). Também teve contos e poemas selecionados para várias coletâneas. Na internet, mantém o blog “Além da Margem do Mundo”, em que escreve textos sobre educação, filosofia, metafísica, paixões e outras questões inerentes à vida humana.
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