Uso, cada vez mais cedo, de tecnologias, alimentação inadequada e distanciamento da família são apontados como possíveis motivações; Psiquiatras do CEJAM comentam sobre o assunto
Um estudo recentemente publicado na revista JAMA Psychiatry, que analisou dados da pesquisa Carga Global de Morbidade (GBD Study) de 2019, revela uma realidade preocupante: uma em cada dez crianças e jovens entre 5 e 24 anos já apresentava pelo menos um transtorno mental antes da pandemia de COVID-19.
Mesmo com o fim desse período, outro estudo chamado “O estado mental do mundo em 2023″, divulgado pela Sapien Labs, mostra que a saúde mental das pessoas continua em declínio, sem qualquer sinal de recuperação. O relatório global constatou que, apesar da retomada da normalidade da vida, as pessoas não estão mentalmente melhores do que no período pré-pandêmico.
No geral, fatores como confinamento, insegurança, agravamento de sintomas psíquicos, novas formas de socialização, pressão sobre trabalho e escola, que passaram a ser vivenciados em casa, podem ter contribuído como parte da deterioração da saúde mental, principalmente de crianças e adolescentes.
“Ao retornarem à chamada “vida normal”, muitos enfrentaram dificuldades de adaptação. O medo, a insegurança e a falta de convivência com amigos e familiares levaram muitos à desesperança com o futuro. Viver o aqui e agora tornou-se o único modo de vida possível. O investimento afetivo tornou-se mais superficial, rápido e fugaz, com a tecnologia proporcionando a satisfação que a vida real não oferecia durante o período de reclusão”, afirma Dr. Rodrigo Lancelote Alberto, psiquiatra e diretor técnico no Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) de Franco da Rocha e no Hospital Estadual de Franco da Rocha, gerenciados pelo CEJAM – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo.
Além disso, o estudo da Sapiens Labs identificou os três principais fatores que seguem contribuindo para esse declínio: o acesso precoce ao celular, o consumo de alimentos ultraprocessados e o afastamento da família.
“As relações afetivas com adultos de referência são fundamentais para o desenvolvimento saudável de um indivíduo desde a infância. Quando essas interações humanas são substituídas em grande parte por telas já nessa primeira fase da vida, crianças perdem a oportunidade de vivenciar relações reais, lidar com frustrações, aprender a negociar e adquirir ferramentas emocionais essenciais, como a autoregulação. Essas habilidades são cruciais para o desenvolvimento de outras competências no futuro”, explica o profissional.
O uso excessivo de telas pode gerar uma falsa impressão de controle sobre o mundo, já que, diante de algo desagradável, basta um toque para desligar. Além disso, elas ativam os circuitos de recompensa cerebral de forma intensa, incentivando cada vez mais sua preferência em detrimento de outras atividades.
Adolescentes, indivíduos em transição da infância para a vida adulta, também são extremamente vulneráveis ao acesso a tanta tecnologia. Embora exista o consumo de uma variedade de informações a partir do uso da internet, muitas vezes eles não possuem discernimento suficiente para avaliar os riscos associados e podem ser facilmente influenciados.
“O mundo virtual surge como um ambiente repleto de estímulos, muitos dos quais podem ser perigosos. Este universo digital frequentemente apresenta uma realidade idealizada, onde todos parecem perfeitos, felizes e realizados. Os adolescentes tendem a comparar-se com essa representação, o que pode levar a sentimentos de inadequação. Ao perceberem que a vida real não corresponde a essa perfeição digital, podem se sentir menos: menos atraentes, menos felizes e menos bem-sucedidos, desvalorizando sua própria vida, relações e aparência”, acrescenta Dra. Ivete Gianfaldoni Gattas, especialista em Psiquiatria da Infância e da Adolescência e também psiquiatra do CAISM e Hospital Estadual de Franco da Rocha.
Em alguns casos, esse sofrimento pode ser tão intenso que leva ao isolamento e à busca de conexão virtual com outros adolescentes que compartilham sentimentos semelhantes, podendo chegar a trocar experiências sobre automutilação, entre outros temas bastante delicados para a saúde.
“Embora a tecnologia possa ampliar o conhecimento e os vínculos sociais, também pode paradoxalmente causar danos emocionais. Por isso, a supervisão e o acompanhamento dos responsáveis são fundamentais nessa fase da vida”, ressalta a médica.
A recomendação é de que o acesso ao celular e à internet, quando monitorado por adultos, deva começar a partir dos 12 anos de idade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece um tempo ideal de exposição geral às telas para cada faixa etária: crianças de 0 a 2 anos não devem ter qualquer exposição; crianças de 2 a 6 anos podem ter até 1 hora por dia; crianças de 6 a 10 anos podem ter até 2 horas por dia; e crianças acima dos 11 anos podem ter até 3 horas por dia.
Alimentação e proximidade com a família precisam de atenção:
A alimentação baseada em ultraprocessados, que também foi apontada como problemática quando se trata da saúde mental de crianças e adolescentes, é outro ponto que preocupa.
Apesar de deliciosos e da popularidade entre os dois grupos, esses alimentos estão correlacionados a um aumento significativo no risco de depressão em 44% e de ansiedade em 48%, conforme apontado por uma análise veiculada na revista Nutrients.
“Os hábitos são formados inicialmente por processos imitativos. Se os pais não possuem o costume de preparar e compartilhar refeições saudáveis e em família, não se deve esperar que a criança ou adolescente faça isso. Acompanhar e, na medida do possível, ajudar na preparação das refeições desde a infância, estabelece o hábito de apreciar alimentos mais saudáveis, contribuindo para uma melhor saúde mental nesse sentido”, reforça Dr. Rodrigo.
O terceiro fator apontado como potencializador de uma saúde mental precária é o distanciamento da família, um aspecto que faz toda a diferença, conforme reitera a Dra. Ivete. “A família é, ou deveria ser, o porto seguro para crianças e adolescentes. Receber afeto, acolhimento e orientação é extremamente benéfico para a saúde e desenvolvimento desses indivíduos. Quando se estabelece uma relação de confiança e afeto desde a infância, os resultados para a saúde mental são sempre positivos”, finaliza.
Sobre o CEJAM
O CEJAM – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim” é uma entidade filantrópica e sem fins lucrativos. Fundada em 1991, a Instituição atua em parceria com prefeituras locais, nas regiões onde atua, ou com o Governo do Estado, no gerenciamento de serviços e programas de saúde nos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro, Mogi das Cruzes, Itu, Campinas, Carapicuíba, Franco da Rocha, Guarulhos, Santos, São Roque, Francisco Morato, Ferraz de Vasconcelos, Pariquera-Açu e Itapevi.
Com a missão de ser instrumento transformador da vida das pessoas por meio de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde, o CEJAM é considerado uma Instituição de excelência no apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS). O seu nome é uma homenagem ao Dr. João Amorim, médico obstetra e um dos fundadores da Instituição.
No ano de 2024, a organização lança a campanha “366 Novos Dias de Cuidado, Amor e Esperança: Transformando Vidas e Construindo um Futuro Sustentável”, reforçando seu compromisso com o bem-estar social, a preservação do meio ambiente e os princípios de ESG (Ambiental, Social e Governança).
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